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Renato Quezini defende que toda a comunidade atue na catequese

Há cerca de um mês, a Diocese de Montenegro realizou o Jubileu de Catequistas no território da Paróquia Nossa Senhora das Graças, cidade de Portão. Na ocasião, o padre Renato Quezini, da Arquidiocese de Maringá, no Paraná, veio exclusivamente para participar do encontro como formador. Para ele, a comunidade deve abraçar o ministério da catequese, ou seja, a responsabilidade não é só do padre ou de catequistas em uma comunidade. Tanto catequistas como padres são apenas parte de um processo maior de Iniciação à Vida Cristã que envolve todos em uma comunidade ou paróquia. Durante sua estada na Diocese de Montenegro, ele nos concedeu a entrevista que segue, refletindo sobre os desafios da catequese hoje.
 
Renato Quezini é presbítero, mestre em Teologia Sistemática pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), e doutorando pela mesma Instituição. Também é especialista em liturgia, espiritualidade cristã e orientação espiritual, bacharel em filosofia e teologia.
 
 
Confira a entrevista.
 
 
Diocese de Montenegro - O senhor tem dito que, na História da Igreja, passamos por um período de Catecumenato e, depois, por uma Catequese Social. Tendo em perspectiva este passo, em que momento estamos agora?
Pe. Renato Quezini - O Catecumenato foi uma das instituições mais originais da Igreja. Era aquele caminho de formação, de fato, do cristão. Um caminho que era autêntico, que surgiu naquele contexto de um cristianismo perseguido. Para você ser cristão, precisava passar por testes, provas, e isto garantia, de fato, qualidade ao trabalho.
 
A partir dali, do Édito Milão, onde o Imperador Constantino já não mais promovia a perseguição e, depois, o imperador Teodósio, em 380 d.C., quando o cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano, temos uma virada. Agora, muita gente entra para a Igreja, quer ser cristão. E, com isso, aquela qualidade, de que a gente falava no início, fica comprometida em virtude da demanda. É tanta gente querendo entrar para o cristianismo que já não se tinha mão de obra material, catequistas, presbíteros, bispos, para dar conta de tanta gente. Então, aquele caminho de catecumenato, de formação personalizada, conhecimento de escrutínio, foi reduzido só aos 40 dias da Quaresma. E com isso, então, temos a quantidade e se perde a qualidade.
 
Depois disso, então, a gente vai ter um catecomenato social, que se dá diante dessa multidão, neste casamento da Igreja com o Estado em que tudo “meio que” respira fé. Assim, aquilo que a Igreja não dá conta, a família, a sociedade, a escola dão, os ambientes tinham essa conotação.
 
DM - E onde estamos hoje?
RQ -  Hoje, olhando esse histórico, esses dois momentos, estamos mais num catecumenato social, porque a religião católica, a fé cristã, é mais uma das inúmeras opções que a gente tem. E como “o mercado religioso” e em tantas opções que há para para você se realizar. O ponto aqui é que a gente precisa mudar a nossa mentalidade, porque mesmo não estando mais num tempo de categoria social, num tempo de cristandade, a nossa mentalidade ainda é de cristandade. O grande desafio, com certeza, é a nossa conversão pastoral, a nossa mudança de mentalidade. Precisamos reconhecer essa mudança de época. Agora, veja: quantos desafios, não é mesmo?
 
Precisamos clarear, ajudar no discernimento das comunidades. É por isso que o trabalho tem que, novamente, ser personalizado. Precisamos trabalhar com a pessoa, não podemos ficar ainda na ideia da multidão, da massa, dos grandes eventos - que são importantes, sim, mas é preciso muito mais do que isso.
 
"Precisamos trabalhar 'o eu', a pessoa precisa fazer a experiência dela e essa experiência tem que ser na comunidade".
 
Precisamos trabalhar “o eu”, a pessoa precisa fazer a experiência dela e essa experiência tem que ser na comunidade. A comunidade precisa tomar consciência disso também e se abrir. É preciso fazer a acolhida desses novos [catequizados]
 
DM - E o catequista nessa história?
RQ - Os nossos catequistas também não foram educados, ou não tiveram, uma experiência de catequese iniciática. Pelo contrário, tem ainda aquela imagem de uma catequese escolar, do catecismo, do conteúdo, dos mandamentos. Então, pontuo aqui que a gente tem também de promover a formação dos catequistas. E não é propriamente educá-los, no sentido escolar, é fazer entender essa nova dinâmica de uma catequese com inspiração catecomenal.
 
"Nossos catequistas também não foram educados, ou não tiveram, uma experiência de catequese iniciática".
 
Senão, a gente pode ter todas as fases, etapas ali propostas pelo Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA) e até seguir o caminho que ele propõe, só que a mentalidade ainda continua sendo de uma catequese bancária.
 
Para o catequista ser formado pela nova mentalidade, ele também precisa ser iniciado. E, ainda, na convicção de que ele é importantíssimo, só que ele tem que estar inserido na comunidade. E, aliás, a comunidade também tem que abraçar o catequista e abraçar o catequizando.
 
DM - Às vezes, percebemos o catequista cansado e até decepcionado, como se a gurizada não respondesse a nada que propõe.
RQ - Talvez, esse desgaste que você cita seja porque o catequista, às vezes, está sozinho, não é? E, daí, ele se cansa. A gente reclama, às vezes, que os nossos catequizamos, depois dos sacramentos, desaparecem da Igreja. Então, essa comunidade precisa, ao longo da catequese, acolher, se mostrar também presente na vida do catequizando. Essa relação não é só catequista catequizando. A comunidade também tem que acolher de modo que, ao longo do caminho, os catequizando tenham uma imagem de Igreja acolhedora. 
 
"A comunidade também tem que acolher de modo que, ao longo do caminho, os catequizando tenham uma imagem de Igreja acolhedora". 
 
Veja, se o catequizando sente que tem uma comunidade aqui por trás, e o meu catequista está inserido nessa comunidade, e essa é a comunidade que eu farei parte e que me espera, eu também terei vontade de ajudar, de acolher. Se ficar só na figura do catequista, o processo fica bem comprometido.
 
Os sujeitos da catequese
 
Quando a gente pega o RICA, vemos que fala dos sujeitos, dos ministérios envolvidos no processo. Ele cita, por primeiro, a comunidade. Depois, cita o introdutor, cita padrinhos e madrinhas. É bem interessante colocar o padrinho e a madrinha não só como aquele que vai aparecer lá no dia em que o catequizando vai receber o Sacramento. De fato, padrinho e madrinha deveriam ter esse compromisso de acompanhar aquele catequizando na sua experiência de fé, de ir ajudando a família naquele aquele percurso que não é somente de conhecimento, é de paixão, de encontro com Jesus.
 
"Porque o catequista, nessa ordem que o RICA propõe, aparece por último. Por quê? É para destacar que são tantas figuras, sujeitos que têm que aparecer nesse caminho".
 
Depois, vem o bispo, os presbíteros,  diáconos e, por fim, aparece a figura do catequista. É bem interessante, porque o catequista, nessa ordem que o RICA propõe, aparece por último. Por quê? É para destacar que são tantas figuras, sujeitos que têm que aparecer nesse caminho aqui.
 
É claro que o catequista é primordial, mas é um entre eles. Acho que um ponto está aqui, pois consiste em pensar que o catequista não é o único. E também não é o caso dele desaparecer, mas, ao contrário, ele tem que contar também com o apoio dos outros sujeitos.
 
DM - O senhor citou o RICA, gostaria de lhe propor uma parada para nos explicar no que ele consiste.
RQ - É o Ritual de Iniciação Cristã de Adultos, RICA. Ele foi um pedido do Concílio Vaticano II: restaure-se o catecumenato. A partir desse pedido do Concílio, houve todo o caminho de elaboração desse material, que detalha um ritual de iniciação cristã para adultos.
 
A partir de 1972 a gente tem o RICA, em 1973 foi traduzido aqui para nós em Língua Portuguesa. Mas, ainda ficou desconhecido um terço deste documento. Em 2001, passou por uma reformulação e é a partir daí que a gente tem colocado em prática. Mas, o RICA tem esse caminho de tempos e etapas.
 
Os tempos são quatro: pré-catecumenato, catecumenato, purificação e iluminação e a mistagogia. E para que eu acesse de um tempo para o outro, tenho as etapas. A primeira etapa, então, é a celebração da entrada ao catecumenato, o rito de eleição e o rito da celebração dos sacramentos na Vigília Pascal, onde os três sacramentos são dados ali numa única celebração. 
 
"Os tempos são quatro: pré-catecumenato, catecumenato, purificação e iluminação e a mistagogia". 
 
 
É todo um rito que foi pensado para os adultos. Só que ele, hoje, inspira a nossa catequese para os adolescentes, para as crianças. É esta a nossa linha da catequese, uma linha com inspiração no catecumenato. É uma linha querigmática, catecumenal, de um tempo de purificação e este outro tempo aí da mistagogia.
 
DM - Gostaria de voltar aos sujeitos da catequese, especificamente no sujeito do introdutor, que o senhor fala.  Não temos esta figura aqui na Diocese. Qual seria o seu papel? Posso dizer que a família é este introdutor?
RQ - Essa figura de introdução é bastante desconhecida, não é? O introdutor seria alguém da própria comunidade, uma liderança. Imaginemos que o seu José procura a Secretaria porque precisa receber os Sacramentos para, então, celebrar seu casamento. A secretária pega seus dados e diz: “José, que bom, bem-vindo. Vou te encaminhar para o seu João. O seu João é aqui da comunidade, ele vai fazer um caminho com você”. Assim, até que a catequese comece, o João, enquanto liderança da comunidade, vai acompanhar o José. Ele vai estabelecendo contatos, mas ainda não é a catequese.
 
É um momento de esclarecimento, de encontro, de aproximação, de dizer “olha, José, a Igreja está do seu lado e eu, João, serei o seu introdutor”. O introdutor é um acompanhante, como se fosse um diretor espiritual que existe no seminário e faz um longo caminho com os seminaristas. Lá no Seminário tem o diretor espiritual para partilhar as alegrias, as crises, as inquietações. O introdutor seria um diretor espiritual nesse sentido de acompanhar esse que está interessado em crescer, aprofundar as razões de sua fé.
 
DM - O senhor refere todo um processo de catequização de adultos, mas, em nossas comunidades, o maior número de catequizandos são crianças. As crianças, inclusive, chegam cada vez mais cedo na catequese. Dado a dificuldade dos catequistas, se têm uma ideia de que quando mais tarde as crianças fizerem a catequese melhor será. Tem idade para começar a catequese?
RQ - Cada Diocese segue um caminho. Na minha Diocese [em Maringá], a partir dos oito, nove anos começa essa primeira fase, que é o précatecomenato. É uma experiência bonita que nós estamos fazendo lá em Maringá de envolver as famílias. Então, você se inscreve com a sua esposa para colocar sua criança na catequese, só que, primeiro vocês também vão ter encontros querigmáticos.
 
Está dando muito certo, os frutos são muito bons, as famílias estão agradecendo bastante. Talvez, aqueles pais também não tiveram uma experiência forte com Jesus. Então, agora, colocando as crianças na catequese. eles também estão refazendo, estão tendo um brilho no olhar, um desejo.
 
Acho que é Importante o envolvimento da família, para não se ter aquele aspecto de terceirizar as coisas. Cada vez mais a família tem que se envolver para ter resultado, ser efetivo. E na catequese não é diferente. 
 
DM - Agora, mesmo sabendo que este não é um processo fácil e que não há receita pronta, gostaria de saber como convencer a comunidade de que é parte na missão de trazer esse jovens para a Igreja.
RQ - Penso que a gente tem que pensar no futuro de fato. Que Igreja nós queremos? Senão, a gente pode ficar no saudosismo. Por isso esta minha fala de que nossa mentalidade tem que converter-se. Do contrário, ainda estaremos pensando como na cristandade.
 
Os desafios e os tempos são outros, a gente precisa acompanhar e ver que esse estilo, esse acompanhamento, esse percurso é da comunidade, do catequista, da família, com o apoio do bispo, seguindo um Plano Pastoral da Diocese.
 
Com isso tudo, se visa o quê? Preparar para à vida cristã. E acho que aqui é o ponto: não pode ser uma catequese só tendo em vista os sacramentos. Veja como de longa data viemos falando nisso. 
 
Iniciação à Vida Cristã
 
Na iniciação à vida cristã, o Sacramento é o ponto alto, mas não para por aí. Este “não parar por aí” lança para a comunidade o comprometimento para que este sujeito iniciado seja discípulo, missionário, seja jovem, seja família, ou seja, vivendo meu discipulado na comunidade. Precisamos entender de fato essa nomenclatura ‘iniciação à vida cristã’, pois se a gente focar somente em “em iniciação cristã”, ficamos somente nos três sacramentos, Batismo, Crisma e Eucaristia.
 
DM - Neste caso, a catequese seria como um curso que se faz em vista do diploma, da certificação, correto?
RQ - Esta é a catequese sacramental, quando se faz somente em vista do Sacramento. Quando eu consigo, aquilo passou, já conseguiu o que queria. É realmente a imagem de um curso, que eu faço em vista de…Quando eu consigo, tchau, vou embora.
 
Agora, o percurso é a imagem do peregrino. É tão interessante isso, pois estamos num Ano Santo, Peregrinos de Esperança. É a imagem do peregrino, do caminhante, aquele que curte o caminho. O peregrino não tem um ponto, não é? Ele vai aproveitando, o andarilho está andando, está peregrinando e, a cada momento que passa, ele encontra, aproveita aquele momento, aproveita aquela ajuda que lhe dão, mas ele está andando.
 
"O peregrino não tem um ponto, não é? Ele vai aproveitando, o andarilho está andando, está peregrinando e, a cada momento que passa, ele encontra, aproveita aquele momento".
 
 
Então, nossa catequese tem que ser, de fato, um percurso. E nesse sentido de que ao longo desse percurso a gente vai receber os Sacramentos, são o ponto alto, mas a gente não para, a gente continua o caminho. Jesus é esse caminho. Quando falamos de uma catequese que não é sacramental, é nesse sentido, de quem preparando para o discipulado, está preparando para a vida, para a missão. Se a gente focar só no Sacramento, é isso: entra, sai, terminou, bye bye.
 
DM - E, depois, ficamos insistindo em pensar em como chamar os jovens para a Igreja, sendo que eles já estavam aqui na catequese. Não é?
RQ - Se a gente fizer esse caminho, podemos ter momentos de altos e baixos, mas esse jovem nunca vai desaparecer. Essa família nunca vai sumir. Um ponto que envolve a nossa evangelização como um todo está aqui nessa compreensão correta do que a gente entende por iniciação à vida cristã.
 
DM - O senhor gostaria de deixar mais alguma mensagem para o povo da Diocese de Montenegro?
RQ - Acho que a imagem de um casal quando está esperando uma criança que chega é uma imagem tão bonita. Quando o casal está grávido tem a preparação do enxoval, o quartinho da criança, aquela expectativa toda. Meu Deus, a família toda fica em função daquele que vai chegar. E, quando chega de fato, é a alegria do nascimento.
 
Precisamos apresentar essa imagem e pensar nós enquanto comunidade. Essas crianças que estão nascendo do Batismo, na Eucaristia, os nossos crismandos, nossos jovens. Nós, enquanto comunidade, também nos alegramos. Puxa vida, são novos membros para nossa família, não é? É a Igreja sempre renovando, iniciando. Ou não?
 
"Escutei de alguém que as comunidades, quando têm uma missa com o Batismo, às vezes, 'ficam de bico' porque aquela celebração fica demorando. É muito triste".
 
Certa vez, escutei de alguém que as comunidades, quando têm uma missa com o Batismo, às vezes, “ficam de bico” porque aquela celebração fica demorando. É muito triste, pois se cria uma ideia de que aquele casal, que batiza o filho, está atrapalhando a nossa missa. Não, gente! Deus seja louvado por aquele casal que está entrando, está batizando o filho. Oxalá cada missa tivesse um batismo, nascimento de uma nova criança, de mais um filho para Deus, mais um membro da nossa comunidade.
 
Novamente aqui é o aspecto de toda nossa conversa: precisamos nos convertermos, porque se a gente ficar só no nosso quadradinho sabemos quais serão as consequências. Por isso trouxe essa imagem da família que fica feliz quando nasce alguém. Acho que esta imagem pode ajudar as nossas comunidades, paróquias, também, a abraçar cada irmão, irmã que estava afastado e voltou. Glória a Deus, ao filho pródigo.
 
"A cada família que chega e pede o batismo, devemos pensar: amém, vamos ajudar".
 
A cada família que chega e pede o batismo, devemos pensar: amém, vamos ajudar. A criança que nasceu, precisa do quê? De afeto, de atenção. Então, iniciação é afeto, é atenção, é carinho, é cuidado. A criança que nasceu não precisa, em nada, que o pai e a mãe sejam burocráticos. A iniciação à vida cristã também não tem nada a ver com burocracia. E aqui, então, talvez, seja um ponto para puxar as nossas orelhas: nossas estruturas ainda são muito burocráticas. Iniciação e burocracia não combinam. Se a gente fica muito burocrático, emperramos o processo.