O Dia de Finados convida a Igreja a contemplar o mistério da morte à luz da fé. É o dia em que olhamos para o túmulo não com desespero, mas com esperança; em que a saudade se torna oração e a dor se converte em confiança na ressurreição. No entanto, a fé cristã não nos autoriza a espiritualizar a morte nem a ignorar suas causas humanas. Neste tempo em que lembramos os mortos, é impossível não pensar nas centenas de vidas ceifadas na operação policial no Rio de Janeiro na última semana — um banho de sangue que muitos, com espantosa naturalidade, aplaudem. Me assusta as catequeses que "canonizam" a ação.

De fato, muitos dos mortos eram criminosos, envolvidos com o tráfico e com o terror cotidiano das comunidades. Mas, o cristão não mede a dignidade de uma vida pelo prontuário, e sim pela imagem de Deus impressa em cada pessoa. A morte de um ser humano — qualquer que seja — nunca é motivo de celebração. Quando o povo de Deus começa a achar "bom" que alguém morra, ainda que culpado, perdeu o coração do Evangelho. Jesus não veio para legitimar execuções, mas para oferecer redenção.

O Dia de Finados, portanto, deve ser também um dia de exame de consciência social. Que sociedade é essa que se acostuma com corpos amontoados e justifica a morte como política pública? Que cristianismo é esse que se alegra com o sangue dos inimigos e esquece o mandamento do amor? Por que não entrar na favela com políticas de inclusão e educação antes das armas e repressão? O problema não é apenas a criminalidade das favelas, mas a indiferença moral das consciências. Onde a morte é aplaudida, Deus é silenciado. Onde a vida é relativizada, o Evangelho é traído.

Rezar pelos mortos, neste contexto, é ato de resistência espiritual. É declarar que nenhuma vida é descartável, que toda violência é fracasso do amor, e que o Reino de Deus não se constrói com armas, mas com justiça e misericórdia. No Dia de Finados, olhemos para o Crucificado e peçamos a graça de recuperar o espanto diante da morte. Que a memória dos mortos — culpados ou inocentes — nos devolva a humanidade e reacenda em nós o compromisso com a vida, porque o cristão jamais pode se alegrar com a morte de ninguém.

Pe. João Vítor Freitas dos Santos | Pároco na Sagrado Coração de Jesus - Timbaúva/Montenegro

Foto de topo: Tomaz Silva/Agência Brasil