1ª Leitura: Gênesis 3, 9-15; Salmo 129; 2ª Leitura: 2Corintios 4, 13-18 – 5, 1; Evangelho: Marcos 3, 20-35.
A Liturgia da Palavra deste domingo nos faz meditar sobre a nova comunidade, família de Cristo, que tem como identidade o ‘fazer a vontade de Deus’. Imediatamente nos vem a pergunta? O que significa fazer a vontade de Deus? Como descobrir esta vontade? Como fazer parte desta nova família?
A Palavra de Deus nos revela o sonho de Deus para conosco: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança” (Gn 1, 26). E, na sequência: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou” (Gn 1, 27). Fomos criados para sermos íntimos, numa comunhão de vontade. A primeira leitura de hoje nos propõe a passagem em que Deus procura o homem, que se afasta desta comunhão e da sua vontade: “O Senhor Deus chamou Adão dizendo: ‘Onde estás?’ (Gn 3,9). O pecado gerou a desconfiança, o afastamento, a busca de projeto alternativo por parte do ser humano.
O Evangelho deste domingo nos propõe o reatar desta relação. O Filho de Deus está entre os seus familiares e entre os eleitos de Israel: mas o estranhamento persiste em ambos: “os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo porque diziam que estava fora de si” (Mc 3,21); e os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, “diziam que ele estava possuído por Belzebu e que, pelo príncipe dos demônios, ele expulsava os demônios” (Mc 3,22).
Onde está Jesus? “Jesus voltou para casa com seus discípulos” (Mc 3,20) e “havia uma multidão sentada ao redor dele” (Mc 3,32). Os discípulos e a multidão escutam Jesus; os que estão fora, os familiares, querem agarrá-lo para levá-lo para casa, e os mestres da Lei acusam-no de blasfêmia.
Os familiares procuram Jesus: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura” (Mc 3,32). Isto nos faz pensar noutro momento, no Templo, quando Jesus tinha 12 anos: “E sua mãe disse-lhe: Meu filho, que nos fizeste?! Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição. Respondeu-lhes ele: Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (Lc 2, 48-49).
Desde então, toda a missão de Jesus será a realização desta vocação: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar plenamente sua obra” (Jo 4,34). Isto até a sua consumação: “Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade mas, sim, a tua” (Lc 22, 42).
Israel foi preparado para, na plenitude, acolher aquele que conhece o coração de Deus a sua vontade: “Suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o meu coração e minha vontade. Edificar-lhe-ei uma casa durável e ele andará sempre diante do meu ungido” (I Sm 2, 35). Israel aprendeu a rezar, procurando sintonizar o coração na vontade de Deus: “Fazer vossa vontade, meu Deus, é o que me agrada, porque vossa lei está no íntimo de meu coração” (Sl 39, 9). Para os profetas, a Palavra anunciada tem a força de realizar a vontade de Deus naqueles que escutam: “Assim acontece à palavra que minha boca profere: não volta sem ter produzido seu efeito, sem ter executado minha vontade e cumprido sua missão” (Is 55, 11).
O Evangelho é o cumprimento desta realização, começando com o ‘sim’ de Maria: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). A oração de Jesus, que está nos lábios dos discípulos de ontem e de hoje, reza: “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6, 10). E temos a certeza de que não bastam palavras mas, sim, um agir a partir da Palavra: “Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus mas, sim, aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7, 21). Por isso, vemos modelos de escuta, como Maria de Betânia, “que se assentou aos pés do Senhor para ouvi-lo falar” (Lc 10,39) e, dessa atitude, podemos aprender o ensinamento de Cristo: “no entanto, uma só coisa é necessária: Maria escolheu a boa parte, que não lhe será tirada” (Lc 10,42).
Assim vamos compreendendo a família do Senhor, as novas relações que geram comunidades que são sinal do Reino de Deus: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,25), comunidades de ouvintes e disponíveis à ação de Deus, que gera um empenho de transformação e de conversão: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12, 2).
A meta é o sonho original de Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança” (Gn 1, 26). Assim, no Filho, vamos sendo gerados filhos e filhas de Deus na força de sua Palavra: “Por sua vontade é que nos gerou pela palavra da verdade, a fim de que sejamos como que as primícias das suas criaturas” (Tg 1, 18).
Acolhamos comunitariamente a Palavra de Deus neste Domingo, Dia do Senhor!
+ Carlos Romulo – Bispo Diocesano de Montenegro